segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Apenas "copyright" pode garantir progresso

Na Folha de São Paulo:

São Paulo, sábado, 26 de fevereiro de 2011

OPINIÃO DIREITOS AUTORAIS

Apenas "copyright" pode garantir progresso

Vínculo entre mercado e cultura foi grande responsável pelo
florescimento do teatro na Inglaterra do século 16


SCOTT TUROW
PAUL AIKEN
JAMES SHAPIRO
DO "NEW YORK TIMES"

Arqueólogos concluíram uma escavação notável na zona leste de Londres
no verão britânico passado.
Entre os artefatos que encontraram, estavam sete puxadores de
cerâmica, evidências físicas de um experimento quase perfeito
realizado no século 16 sobre o vínculo entre comércio e cultura.
Quando William Shakespeare estava crescendo em Stratford-upon-Avon, na
zona rural, carpinteiros naquele local de Londres estavam construindo
os muros daquele que alguns consideram ter sido o primeiro teatro
erguido na Europa desde a Antiguidade.
Em pouco tempo, outros teatros foram surgindo pela cidade. Quem podia
pagar tinha direito de entrar e assistir à peça; quem não podia, não
assistia.
Quando Shakespeare começou a escrever, essas "paywalls culturais" já
eram abundantes em Londres.
Trabalhadores com urnas para dinheiro (ostentando os puxadores
singulares encontrados pelos arqueólogos) nas mãos ficavam na entrada
de um número crescente de teatros ao ar livre, recolhendo um "penny"
de ingresso.
Com essa renda, dramaturgos eram pagos para escrever novas peças. Pela
primeira vez na história, tornou-se possível ganhar a vida escrevendo
para o público.
Uma onda de dramaturgos brilhantes surgiu quase da noite para o dia,
entre eles Christopher Marlowe, Thomas Kyd, Ben Jonson e Shakespeare.
Esses talentos tinham encontrado a oportunidade, as condições e o
dinheiro para exercer seu ofício.
Qual foi a constatação simples desse experimento? Como é o caso de
muitas outras coisas, o talento literário permanece sem se
desenvolver, a não ser que os mercados o recompensem.

VIRTUALIZAÇÃO
No auge do Iluminismo, o "paywall cultural" tornou-se virtual, quando
autores britânicos conquistaram o direito de criar mercados legalmente
protegidos para suas obras.
Em 1709, a Inglaterra promulgou a primeira lei do "copyright", com o
objetivo expresso de combater a pirataria de livros e "para incentivar
homens eruditos a compor e escrever livros úteis". Os direitos
autorais, agora vinculando fortemente os autores, as gráficas (e
tecnologias posteriores) e o mercado, mostrariam ser um dos grandes
sucessos de política pública da história.
Os livros iriam atrair investimentos de trabalho de autores e capital
de editores em escala colossal.
Hoje, porém, esses mercados estão se desfazendo. A pirataria tornou-se
um empreendimento lucrativo, inovador e global. A ascensão da internet
levou à visão, por parte de muitos usuários e empresas que operam na
rede, de que os direitos autorais são uma relíquia adequada apenas às
necessidades de gigantes corporativos que estão fora de sintonia com a
atualidade.
Basta pensar nos dedicados "compartilhadores de arquivos" que
transmitem e recebem material protegido sem o menor sentimento de
culpa.
Eles são encorajados e assistidos por um punhado de professores de
direito e outros especialistas que se tornaram peritos em formular
argumentos contraintuitivos segundo os quais os direitos autorais
constituem empecilhos à criatividade e ao progresso.
A teoria deles é que, se enfraquecermos gravemente as proteções dos
direitos autorais, a inovação irá florescer de fato.
É uma ideia sedutora, mas que ignora séculos de progresso científico.
Uma cultura rica requer contribuições de autores e artistas que
dediquem milhares de horas a uma obra e a vida inteira a seu trabalho.

INEVITABILIDADE
Desde o Iluminismo, as sociedades ocidentais acostumaram-se a
acreditar que o progresso é inevitável. Ele nunca o foi.
O progresso é decorrente da obediência a regras que foram construídas
cuidadosamente e práticas que foram iniciadas por pessoas que viviam
sob a sombra comprida da Idade das Trevas. Quando mudamos essas
regras, corremos riscos.
Em julho passado, um público pequeno reuniu-se naquela escavação
arqueológica em Londres para ouvir dois atores ler trechos de "Sonho
de Uma Noite de Verão" no lugar onde a peça estreou, no ponto onde
ficavam as paredes mais valiosas do teatro.

O RESTO É SILÊNCIO
Embora as fundações do Theater (como era conhecido) permaneçam, as
paredes propriamente ditas, não.
Quando a companhia de Shakespeare perdeu o direito de arrendar o
teatro, seus membros desmontaram a armação de madeira do Theater e
levaram as paredes para um novo local, do outro lado do Tâmisa,
batizando seu novo teatro de The Globe.
Shakespeare levou com ele seu sistema de cobrança de ingressos.
Mais tarde, o Globe foi destruído em um incêndio e reconstruído em
pouco tempo. Seu fim definitivo aconteceria em meados do século 17, no
início de uma guerra civil sangrenta, quando as autoridades ordenaram
a demolição das paredes.
O regime não foi motivado por ideais de acesso livre ou ilusões de que
iria acelerar o progresso.
Ele simplesmente queria silenciar os dramaturgos, que transmitiam ao
público pagante do teatro uma grande gama de pensamentos
desestabilizadores. O experimento acabou.
Foram rompidos os laços dos dramaturgos com o comércio, e a maior
explosão de talento dramatúrgico que o mundo moderno já conheceu
chegou ao fim.
Assim, simplesmente.

SCOTT TUROW, romancista, é o presidente do Sindicato de Autores.

PAUL AIKEN é o diretor executivo do sindicato.

JAMES SHAPIRO, integrante do conselho de direção do sindicato, leciona
Shakespeare na Universidade Columbia.
Tradução de CLARA ALLAIN.

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