sábado, 28 de maio de 2011

May 27, 2011. G8 Highlights Internet, IP Rights, Innovation, WIPO

Leaders of the Group of Eight industrialised countries today concluded their annual meeting, this year held in Deauville, France, with a communiqué bearing extensive discussion of the internet, intellectual property rights, and innovation - and a call for the World Intellectual Property Organization to step up work. In fact, it had a lot more to say about these issues than it did about the global economy or trade.

Link to the article: http://www.ip-watch.org/weblog/?p=16120&utm_source=post&utm_medium=email&utm_campaign=alerts

domingo, 22 de maio de 2011

A revisão da lei que não pegou

A revisão da lei que não pegou
Fernando Vives

Matéria publicada na edição 28 (maio) de CartaFundamental
A situação é constrangedora, mas acontece todos os dias: o professor precisa que seus alunos tenham em mãos um trecho de livro para a próxima aula. No momento em que ele disponibiliza o texto no departamento de fotocópias da escola e pede aos estudantes que tirem uma “xerox”, este professor, os alunos e o dono da lojinha da fotocopiadora passam imediatamente a ter o status de foras da lei. O motivo: a Lei nº 9.610, implementada em 1998, que tem como objetivo proteger os direitos de autor, proíbe a reprodução total e, de maneira bastante confusa, parcial de livros e músicas.

Os problemas que a escola enfrenta por conta da chamada Lei dos Direitos Autorais são parte de uma questão complexa que envolve o mundo da produção cultural (artistas, gravadoras de música, produtoras de audiovisual, editoras), a academia (professores, estudantes e pesquisadores), comercial (donos de fotocopiadoras) e social (qualquer pessoa que baixe músicas na internet). Em outras palavras: há muitos personagens envolvidos com interesses específicos e opostos.

Conhecendo os problemas crônicos que não agradam nem a gregos nem a troianos, o Ministério da Cultura colocou em discussão pública novas diretrizes para uma reformulação da lei. O MinC recebeu propostas de diversos setores da sociedade até agosto de 2010 e as encaminhou para discussão no Congresso. A Comissão de Educação e Cultura deverá debater o tema, agregar novas propostas, fechar um projeto final e colocá-lo para votação, o que pode ocorrer até o fim do ano. Mas é quase impossível satisfazer todas as partes.

“A internet obriga essas áreas a rever o modelo de negócios”, diz Sérgio Branco, professor da FGV especializado em propriedade intelectual. “A lei até aqui não fez distinção entre indústria, usuário e professor, e cada um desses grupos tem uma relação -particular com cópias. A relação capitalista da indústria não move os usuários, e a academia fica numa zona intermediária”, afirma Branco.

Pela proposta do ministério, detalhada por Rafael Oliveira, coordenador-geral de difusão de direitos autorais e acesso à cultura do Ministério da Cultura, o objetivo da reforma é equilibrar a relação entre investidores e criadores, deixar clara a figura da licença autoral e quando ela se aplica e garantir direitos das pessoas ao acesso ao conhecimento. O uso transformativo de obras – ou seja, remixes audiovisuais ou mudanças de texto – poderá ser legalizado. “O Brasil é um dos poucos países do mundo que ainda não instituíram a cópia privada”, disse, durante a apresentação do projeto de lei em São Paulo.

A questão da cópia é justamente o grande abacaxi a ser descascado no que tange ao setor educacional. As editoras não abrem mão da proibição. A Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros), que representa os interesses das grandes empresas do setor, respondeu à reportagem por e-mail assinado pelo presidente Jorge Younes, no qual entende que a reprografia ainda não traz uma solução adequada, “pois, embora compreenda o problema enfrentado pelos estudantes, entende que a proposta esbarra na fragilidade da implantação e da fiscalização dos agentes envolvidos na cadeia de reprodução e de distribuição pecuniária dos direitos autorais”. Ou seja: se depender das grandes editoras, a cópia de obras para uso educativo seguirá à margem da lei.

“O problema é que temos um sistema de livros didáticos que tem completo subsídio público e cujo lucro fica para as grandes editoras que vencem as licitações”, diz Pablo Ortellado, professor da USP e pesquisador do Gpopai (Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação), vinculado à Universidade de São Paulo. Ortellado argumenta que as editoras de livros técnico-científicos pouco ou nada investem na formação dos escritores que contratam para fazer as obras. “Até 86% dos professores contratados pelas editoras tiveram formação em universidades públicas e escrevem os livros como um subproduto de seu trabalho acadêmico. Portanto, o investimento veio de seu salário e pesquisa pública financiada pelo Estado. As editoras pagam um valor para ele escrever um conteúdo, vencem as licitações porque têm mais estrutura e ganham muito dinheiro com isso. E, por fim, têm imunidade tributária. E ainda querem manter a cópia de trechos proibida. Não há a mínima contrapartida pelo lucro que tiveram.”

Segundo a Casa de Cultura Digital, que organiza estudos sobre o mundo da tecnologia, as matrículas no Ensino Superior aumentaram cerca de 130% nos últimos dez anos. Ao mesmo tempo, o número de livros didáticos vendidos nas universidades seguiu estável. “Boa parte dos estudantes veio do ProUni, das classes mais baixas. Não têm como estudar sem cópia”, diz Pablo Ortellado.

A definição da quantidade de uma obra permitida para cópia é outra questão delicada. A atual lei cita a permissão para um “pequeno trecho”, mas não define quanto é isso. “Na lei do plágio musical, -consideram-se plágio dois ou três compassos de uma obra. Na dos direitos autorais, não se sabe. As editoras definem como plágio ‘parte substancial da obra. É vago’”, afirma Guillherme Carboni, advogado especializado em causas de direitos autorais.

Também há névoa sobre quem fica com a responsabilidade judicial em caso de cópia. Exemplo: o professor disponibiliza material didático na lojinha do xerox para os alunos. Quem é processado, o professor, o dono da lojinha, os alunos ou todos? A falta de definição obviamente gerou interpretações diversas e antagônicas. As editoras interpretam que só o professor deve operar a máquina de xerox, sem solicitar a terceiros. Na universidade, definiu-se que é possível delegar a copistas (ou seja, a uma loja do ramo) e que a permissão se dá a um capítulo ou 10% de uma obra.

A questão da cópia acaba, na prática, sendo desprezada pelos professores de escolas e universidades que, sob o risco de não conseguirem dar aula, que se utiliza com frequência das lojinhas de xerox. -Pressionados pela ABDR (Associação -Brasileira do -Direito Autoral), a partir de 2005 houve um aumento considerável de batidas -policiais em lojas de fotocópias dentro e perto de escolas e universidades. Estudo da Casa de Cultura Digital aponta que 65% das instituições de Ensino Superior do município de São Paulo já passaram por batidas desde então.

Diretamente relacionada à questão dos direitos autorais está a centralização das obras didáticas por poucas editoras – de acordo com o Gpopai-USP, 70% das licitações são dominadas por quatro grandes grupos: FTD, Abril Educação (Ática, Scipione), Santillana (editoras Moderna e Objetiva) e Saraiva. Bianca Santana, coordenadora do projeto de recursos educacionais abertos na Casa de Cultura Digital, enxerga um retrocesso nesta padronização. “Um mesmo livro didático acaba servindo em São Paulo e no Norte do País. Acontece que há cada vez mais necessidade de regionalização de conteúdos. Uma vez, em conversa com uma professora de História no Pará, ela reclamou que um livro didático distribuído pelo governo tinha duas páginas retratando a colônia japonesa de São Paulo e duas linhas falando do estado dela”, afirma.

Os tópicos decorrentes da Lei de Direitos -Autorais são muitos e agora cabe ao Congresso Nacional dialogar com o Ministério da Cultura para adotar uma linha convergente. A ministra Ana Hollanda tem preferido uma posição mais restritiva em comparação aos antecessores Gilberto Gil e Juca Ferreira. Os próximos meses serão decisivos para saber se o professor deixará, enfim, de ser um fora da lei em sala de aula.

domingo, 27 de março de 2011

DIREITOS AUTORAIS

DIREITOS AUTORAIS
Gutenberg, século 21
Por Diego Viana em 8/3/2011
Reproduzido do Valor Econômico, 4/3/2011; intertítulos do OI

A batalha em torno do Ministério da Cultura (MinC) ecoa a guerra que se desenrola ao redor do mundo sobre a propriedade intelectual. O clima tenso no ministério, que levou fontes ligadas ao MinC a falar ao Valor em "luta pela sobrevivência", dá sequência a conflitos que surgiram em todos os países onde a legislação de direitos intelectuais foi posta em questão. Segundo Vítor Ortiz, secretário-executivo do Ministério da Cultura, a celeuma quanto à nova gestão do MinC sob a ministra Ana de Hollanda e, em particular, a reforma da lei de direitos autorais, foi insuflada por radicalismos no meio digital, Twitter em particular, e não corresponde à vontade da ministra de manter "uma posição mais magnânima e aberta ao debate". Porém, o debate da propriedade intelectual não costuma ser magnânimo.
Nos EUA, na Europa e em outros países, legisladores sofrem pressões restritivas e liberalizantes. De um lado, corporações da indústria cultural, como a MPAA (Associação Cinematográfica da América) nos EUA, e a Sacem (Sociedade dos Autores, Compositores e Editores de Música) na França, exigem o reforço das penalidades para quem contorna medidas de bloqueio à cópia eletrônica, como a DRM (Gestão Digital de Direitos). De outro, bibliotecas, artistas digitais e universidades pedem a legalização de práticas que, embora corriqueiras, não são contempladas pela lei.
O impasse da cultura eletrônica suscitou iniciativas de diversos matizes. Os exemplos mais vistosos são de repressão a usuários que infrinjam as regras vigentes. O mais recente foi a lei francesa Hadopi, de combate à transferência não autorizada de arquivos, adotada em 2009. Nos EUA, a já rigorosa lei de 1998, chamada "Digital Millenium Copyright Act", ganhou em 2007 artigos pelos quais usuários que praticam engenharia reversa de software, um procedimento pelo qual o código de funcionamento é descoberto, podem ter seus computadores apreendidos.
O selo da Creative Commons
Também há países que introduziram dispositivos para flexibilizar o uso de obras protegidas. A nova lei chilena, implantada em 2010, "não só oferece um quadro flexível para usuários, mas também para criadores", diz o advogado Alberto Cerda, da Universidad de Chile. "A lei define exceções que dão agilidade ao processo criativo. Primeiro, nas citações, fundamentais para a academia e o mercado editorial. Segundo, para a colagem e o mash-up, relevantes nas artes visuais. Enfim, na engenharia reversa, essencial para desenvolvedores de software."
O cartaz de Obama feito pelo artista Shepard Fairey é a imagem mais lembrada da campanha eleitoral americana de 2008 e rendeu um processo contra o artista.
A disputa brasileira está centrada no anteprojeto de reforma da Lei de Direitos Autorais (9610/98), preparado na gestão de Juca Ferreira no MinC, durante o governo Lula, e enviado no fim de 2010 para a Casa Civil. O novo ministério, conduzido por Ana de Hollanda, trouxe o anteprojeto de volta para o MinC para nova análise. Para Ortiz, "a tramitação foi lenta. O anteprojeto só foi para a Casa Civil no fim de dezembro, quando já se sabia que haveria uma nova ministra".
Embora o anteprojeto tenha sido tocado por meio de uma consulta pública e uma série de seminários nacionais e internacionais entre 2007 e 2010, o tema ultrapassou o universo de especialistas no início deste ano, graças a um detalhe no rodapé do site do Ministério da Cultura. Ali figurou, nas gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira, um selo da licença Creative Commons. Agora, vê-se apenas a autorização do ministério para reproduzir os textos do site. A retirada gerou protestos de ativistas digitais, do antropólogo Hermano Vianna e do líder do PT na Câmara dos Deputados, Paulo Teixeira (SP). A ministra justificou a atitude dizendo que o licenciamento já é previsto pela lei brasileira e não necessita de uma iniciativa em particular. Vítor Ortiz, lembrando que a ONG Creative Commons é uma iniciativa privada, argumenta que o selo não poderia estar no site de um órgão do governo sem um debate público prévio.
Padrão aberto indica mais flexibilidade
Especialistas em propriedade intelectual não concordam que seja redundante fazer uso de um sistema específico, como é o caso do Creative Commons, para organizar a circulação de criações. O advogado Pedro Paranaguá, da Universidade Duke, nos EUA, ressalta que, embora o licenciamento esteja previsto na lei, "para que ocorra, é preciso dizê-lo expressamente. Sem licença ou contrato, todos os direitos ficam reservados".
Em novembro, a vice-presidente da Agenda Digital da Comissão Europeia, Neelie Kroes, traçou uma linha histórica de revoluções culturais e econômicas: a primeira foi a invenção da imprensa por Johannes Gutenberg, no século 15; a segunda, a Revolução Industrial, no século 18; a terceira é a "revolução das tecnologias da informação e da comunicação". A Comissão Europeia mantém uma pesquisa pública sobre eventuais reformas legislativas para adequar seu sistema de proteção à propriedade intelectual na "sociedade da informação". As pressões para reformar a legislação surgem da necessidade de estabelecer um ambiente legal e econômico confortável para práticas criativas que permeiam a indústria cultural. Francis Gurry, diretor-geral da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), reconhece que a questão atravessa campos tão diversos quanto o econômico, o jurídico, o artístico e o tecnológico. Por isso, resume-o como um impasse. "Como a sociedade pode tornar as obras disponíveis a preço acessível e também assegurar a existência econômica digna aos criadores e intérpretes?", questionou em evento internacional.
Existem outros sistemas de licenças como o Creative Commons, mas a iniciativa de Lawrence Lessig, da Universidade Harvard, é a mais empregada por jovens criadores em todo o mundo. O motivo é a clareza com que define diversos tipos de licença, facilitando a escolha. "A vantagem das licenças Creative Commons é que são conhecidas mundo afora. Formam um padrão adaptado para cada ordenamento jurídico, têm sido reconhecidas por tribunais em diversos países e facilitam a vida de todos", diz Paranaguá. O advogado Luiz Henrique Souza, do escritório PPP, especializado em propriedade intelectual, afirma que "a adoção dessa licença por órgãos do governo representa a promoção do padrão de licenças permissivas". Se o momento é de reforma da lei que trata de propriedade intelectual, a adoção de um padrão aberto indica que o governo está mais inclinado para a flexibilidade do que para o recrudescimento.
A economia criativa
A celeuma das licenças Creative Commons resulta mais de sua simbologia que de seus efeitos sobre a arrecadação de direitos autorais. Os usuários de licenças abertas negam que queiram abrir mão desses direitos. Artistas jovens enxergam na flexibilização uma oportunidade de difusão de seu trabalho. Os caminhos oferecidos pelo mercado tradicional lhes parecem lentos e difíceis, mas a divulgação livre, ou parcialmente livre, de obras na internet se revela um meio mais eficaz e simples de atingir o público. "Deixar a música na internet foi fundamental para ficarmos conhecidos", explica Vicente Machado, baterista da banda pernambucana Mombojó. "Nosso primeiro disco teve 2 mil cópias. Elas não chegaram muito longe, mas, pela internet, a música se espalhou pelo Brasil todo. Quando íamos tocar em algum lugar, as pessoas conheciam as músicas porque copiaram da internet." O formato aberto da distribuição não significa, porém, que os músicos abdiquem da receita dos direitos autorais, particularmente nas execuções de rádio. "Às vezes entramos no sistema do Ecad [Escritório Central de Arrecadação] e, se tem algum dinheiro, é uma surpresa boa." O Ecad vê nas emissoras de rádio a maior fonte de desrespeito aos direitos autorais e desenvolveu com a PUC-RJ um sistema digital de monitoramento.
O exemplo da banda pernambucana ilustra o impasse de Francis Gurry. Os papéis do autor, do editor e do receptor se tornam menos evidentes quando, de um lado, o criador tem o poder de editar por conta própria e, de outro, o público encontra o que busca com muita facilidade, sem passar por um mercado que regule os fluxos. "Todos os membros da banda estão na faixa dos 24 aos 28 anos. Crescemos cercados pela internet, nada mais natural do que colocar nossa música online", explica o músico.
Para o advogado Peter Jaszi, da Universidade de Washington, o desafio da indústria cultural é reformular modelos de negócios estabelecidos sobre a criatividade. Se os suportes – livros, discos, fitas etc. – aproximavam os bens imateriais do regime material, o mesmo não vale para arquivos como os que circulam em computadores e outros aparelhos. "Os livros eletrônicos têm funcionado como modelo. Os editores foram agressivos ao fazer a transição, porque receberam ajuda da Amazon [livraria virtual que lançou o leitor Kindle]. No caso do programa iTunes [de transferência de arquivos musicais], o resultado segue em aberto. As gravadoras têm conduzido muito mal seus negócios. Para os usuários, elas perderam o contato com o que as pessoas querem escutar", explica Jaszi.
A economia criativa – conceito que engloba as atividades que sobrevivem da propriedade intelectual – é o território em disputa na guerra que chegou ao MinC em 2011. Segundo a OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), as indústrias criativas movimentam US$ 3 trilhões no mundo. Em 2008, a Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) divulgou que o setor representa cerca de 16,4% do PIB brasileiro. A ministra Ana de Hollanda anunciou a criação de uma Secretaria de Economia Criativa, a ser comandada pela ex-secretária de Cultura do Ceará, Cláudia Leitão.
"Todo o conhecimento em um único lugar"
Segundo Vítor Ortiz, a Diretoria de Direitos Intelectuais, que será assumida pela advogada Márcia Regina Barbosa, ficará subordinada à nova Secretaria. Ortiz diz que caberão à diretora as "possíveis mudanças" na lei de direitos autorais. Ativistas da cultura digital argumentam que Márcia Regina tem um histórico de proximidade com o Ecad, parte interessada na questão – para o escritório, a lei atual não precisa de reforma porque "é uma das mais modernas e completas do mundo, com pouco mais de dez anos de existência", segundo sua superintendente-executiva, Gloria Braga. Ortiz nega que Márcia Regina seja próxima ao Ecad. Nos anos 1980, a advogada pertencia ao Conselho Nacional de Direitos Autorais, órgão federal extinto no governo Collor.
Assim como o Ecad, outras entidades se opõem ao anteprojeto desenvolvido pelo MinC até 2010. Sônia Machado Jardim, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), considera "afoita" qualquer modificação de uma lei "sem um amplo e profundo debate" porque os tribunais estaduais ainda estão desenvolvendo os mecanismos de interpretação dos dispositivos legais. O sindicato acrescentou à sua pesquisa anual sobre produção e venda de livros no país um questionário sobre a penetração do livro digital no mercado.
A fusão dos universos material e digital está na pauta das discussões em todo o mundo. Neelie Kroes chegou a dizer que a tecnologia digital "torna realidade o sonho renascentista de Pico della Mirandola: todo o conhecimento em um único lugar". Em seguida, arrematou: "Assim como o cinema não matou o teatro e a televisão não matou o rádio, a internet não vai matar nenhuma outra mídia." Falando especificamente de direitos autorais, Neelie não deixou espaço para dúvidas. "Por 200 anos, eles se revelaram uma forma poderosa de remunerar nossos artistas e construir nossas indústrias criativas. Mas não são um fim em si mesmos. É preciso garantir que funcionem como tijolos para construirmos, não pedras para tropeçarmos."
Merchandising clandestino
Para Jaszi, iniciativas repressivas são fruto do aspecto estritamente econômico da questão. "O que atinge as corporações não são as técnicas digitais em geral, mas usos particulares. Entretanto, quando uma indústria diz `estamos perdendo dinheiro´, logo isso é traduzido para `estamos perdendo empregos´, o que impacta a economia e a política como um todo. Frases marcantes têm um efeito forte sobre os políticos", afirma.
Além da tecnologia digital, práticas artísticas também põem sob pressão a forma tradicional de lidar com a autoria. Uma exposição do fotógrafo e advogado Eduardo Muylaert em São Paulo explora uma área de fronteira autoral. Em cartaz na galeria Fauna, "As Mulheres dos Outros" exibe reproduções de fotografias compradas na feira de antiguidades do Museu de Arte de São Paulo (Masp). O artista conta que encontrou as imagens dos anos 1950 em péssimo estado. Fotógrafos e modelos eram anônimos. A exposição consiste em ampliações que realçam os efeitos do tempo e da má conservação.
Segundo uma leitura possível da lei atual, a exposição seria considerada ofensiva aos direitos autorais dos fotógrafos de 60 anos atrás, que não foram consultados quanto ao uso de seu trabalho nem serão pagos. No entanto, a iniciativa do fotógrafo é corrente entre criadores que, na linha de Andy Warhol e Jean-Luc Godard, em vez de criar imagens, retrabalham a infinidade de imagens já disponíveis. Como advogado, Muylaert estava ciente do possível impasse jurídico. Apoiou-se sobre o oitavo parágrafo do artigo 46 da lei atual, que permite a reprodução de "pequenos trechos" de obras preexistentes quando não houver "prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores". "Sinto que meu trabalho é legítimo com base nesses artigos", afirma o artista, que também se muniu de um arsenal teórico para sustentar seu argumento. São textos de Roland Barthes, Gérard Genette, Douglas Crimp, Richard Misrach e outros.
Juristas que se debruçam sobre o assunto não consideram os artigos citados por Muylaert tão seguros. Para Guilherme Varella, do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), a lei autoral brasileira está entre as mais restritivas do mundo e o trecho em questão deixa em aberto o sentido de "pequeno trecho", "exploração normal" e "prejuízo injustificado". O resultado é uma incerteza jurídica desnecessária. Um dos objetivos da nova lei autoral seria resolver impasses como esse. As fotografias garimpadas por Muylaert seriam "obras órfãs", isto é, cujo autor é desconhecido ou não pode ser encontrado. Para casos assim, seriam concedidas "licenças não voluntárias". Os direitos econômicos seriam recolhidos em juízo, mas os morais seriam dispensados temporariamente. O mesmo procedimento se aplicaria a marchinhas de carnaval da década de 1930 de que não se conhece o autor.
No plano internacional, encerrou-se em janeiro um caso judicial emblemático das tensões sobre o direito autoral. A agência Associated Press (AP) e o artista plástico americano Shepard Fairey anunciaram um acordo extrajudicial que pôs fim a uma disputa iniciada em 2008. O objeto do desentendimento foi um dos ícones mais conhecidos do século 21: o pôster de Barack Obama com a palavra "Hope" (esperança). A imagem original foi realizada em 2006 pelo fotógrafo Manny Garcia, contratado pela AP. Fairey copiou a imagem, pintou-a novamente e a imprimiu em grande escala. Mais tarde, quando a imagem já tinha se tornado um dos símbolos do processo eleitoral americano, passou a aparecer reproduzida em camisetas e souvenires. Ou seja, entrou pela porta dos fundos no mundo comercial.
Na declaração oficial emitida por Fairey e pela AP, as duas partes afirmaram que não abriam mão de suas perspectivas. A agência sustentava que o artista tinha infringido as leis americanas de copyright. Fairey manteve sua avaliação de que seu caso entrava na categoria de fair use, um regime indeterminado de exceções às restrições de cópia. O artista e a agência decidiram explorar juntos as possibilidades econômicas da obra, isto é, o merchandising que vinha sendo feito clandestinamente por fabricantes de camisetas e suvenires em todo o mundo.

terça-feira, 22 de março de 2011

Na próxima 4a.feira,23/03/11, 12-14hs, no Anfiteatro do Centro de Informática da UFPE, daremos continuidade à série de seminários sobre "Tecnologia...

Na próxima 4a.feira, 23/03/11, 12-14hs, no Anfiteatro do Centro de Informática da UFPE, daremos continuidade à série de seminários sobre "Tecnologia, Lei e Sociedade".

O tema da próxima 4a.feira (23/03) será "Código versus Cultura, e As Leis do Ciberespaço".

Trata-se de evento aberto à participação de todos os interessados (inclusive de fora da UFPE).

A série serve também de provedora de conteúdo às disciplinas "Seminários em Inteligência Artificial" (graduação) e "Tópicos Avançados em Algoritmos e Complexidade 2" (pós-graduação), ambas com o subtítulo "Tecnologia, Lei e Sociedade". Já há uma rede social formada para servir de forum: "Tecnologia e Convivência".

Todos são bem-vindos!

Ruy

P.S. Será exibido o seguinte video clip:
Authors@Google: Lawrence Lessig (YouTube, 1h, 03/10/2006, legendado em inglês). Lawrence Lessig, author of "Free Culture," visits Google's New York office as part of the Authors@Google series. This event took place on October 3, 2006.

P.P.S. Leitura recomendada: Além do livro Code 2.0, de Larry Lessig, é recomendável uma leitura prévia do artigo:
Article: Joel R. Reidenberg, "Lex Informatica: The Formulation of Information Policy Rules Through Technology", 76 TEXAS LAW REVIEW 553 (1998).
Abstract: In this Article, Professor Reidenberg addresses three policy problems and conflicts involved in the regulation of cyberspace technology and global networks: the content of global networks, the dissemination of personal information, and the distribution of intellectual property. Reidenberg argues that policy-makers can resolve conflicting policy problems by understanding, recognizing and applying the theory of Lex Informatica. According to the theory of Lex Informatica, technological capabilities and system design choices, as well as user preferences, impose overarching default rules on users of cyberspace technology.

terça-feira, 15 de março de 2011

Na próxima 2a.feira, 21/03/11, 12-14hs, no Anfiteatro do CIn, teremos a continuação da série de seminários

Na próxima 2a.feira, 21/03/11, 12-14hs, no Anfiteatro do CIn, continuaremos com a série de seminários sobre "Entendendo a Bolha da Internet, o Vale do Silício, e Venture Capital".

Trata-se de evento aberto à participação de todos os interessados (inclusive de fora da UFPE).

A série serve também de provedora de conteúdo às disciplinas "Seminários em Informática Teórica" (graduação) e "Tópicos Avançados em Algoritmos e Complexidade 1" (pós-graduação), ambas com o subtítulo "Internet e o Vale do Silício".

Na 2a.feira, 21/03/11, 12-14hs, será exibido o filme Pirates of Silicon Valley (1999, "Piratas do Vale do Silício", 95min, legendado em português), dirigido por Martyn Burke, e distribuído por Turner Network Television. Foi ao ar pela primeira vez no dia 20/06/1999. Sinopse abreviada (da Wikipedia):


"Piratas do Vale do Silício (Pirates of Silicon Valley, no original, de 1999) é um filme não-autorizado feito apenas para a televisão, pela TNT, escrito e dirigido por Martyn Burke. Baseado no livro Fire in the Valley: The Making of The Personal Computer, de Paul Freiberger e Michael Swaine, o filme documenta o nascimento da era da informática, desde o primeiro PC, através da histórica rivalidade entre a Apple e seu Macintosh e a Microsoft, indo desde o Altair 8800 do MIT, passando pelo MS-DOS, pelo IBM PC e terminando no Microsoft Windows.
O filme começa no início da década de 1970 e termina em 1985, pouco antes de Steve Jobs ser demitido da Apple por John Sculley.
Começando no campus da UCB (Universidade da Califórnia em Berkley) durante o período do Movimento Liberdade de Expressão, o filme expõe as aflições dos amigos Steve Jobs (Noah Wyle) e Steve Wozniak (Joey Slotnick), que formariam a Apple Computer; e os estudantes de Harvard, Bill Gates (Anthony Michael), Steve Ballmer (John Di Maggio) e o amigo de Gates, Paul Allen (Josh Hopkins), que criariam a Microsoft.
Gates, Jobs e Wozniak deixariam a universidade (Jobs foi, na realidade, um estudante do Reed College por um curto período, mas isto não é documentado no filme; Wozniak logo regressaria à UCB) para poder assumir seu papel no crescimento da revolução dos computadores pessoais. O filme é narrado sob o ponto de vista de Wozniak e Ballmer."


Como de costume, todos são bem-vindos!

Ruy

quarta-feira, 9 de março de 2011

PATENTE ????

Patente de boneco gigante vira polêmica

Uma das marcas do carnaval de Olinda, os bonecos gigantes fizeram ontem seu 24º encontro pelas ruas da cidade histórica em meio a uma polêmica. O organizador do evento, Silvio Botelho, de 52 anos - 37 dedicados aos bonecos gigantes - teme sua descaracterização. Além de patentear a marca “bonecos gigantes de Olinda”, o empresário pernambucano Leandro Costa realizou por três anos consecutivos na segunda-feira de carnaval, véspera do tradicional encontro, a “Apoteose dos Bonecos Gigantes”.

Ao contrário dos gigantes criados e confeccionados por Botelho, que primam por reverenciar e retratar valores da cultura local, os de Leandro levaram anteontem às ladeiras da cidade figuras do terror cinematográfico americano, como Chucky e Freddy Krueger, além de personalidades como Michael Jackson, Barack Obama e a presidente Dilma Rousseff.

“É a banalização dos bonecos gigantes”, reagiu Botelho, temendo que em breve até personagens de Walt Disney, como Mickey e Pato Donald, virem personagens gigantes do carnaval de Olinda. Leandro Castro diz não querer polemizar e explica que seu trabalho tem um conceito diferente, com enfoque empresarial.

Patente 'inócua'

Embora reconheça o evento promovido por Botelho como “o grande encontro dos bonecos tradicionais”, a prefeitura diz não ter ingerência em um carnaval de rua marcado pela espontaneidade e não vê problema na rivalidade. Para a secretária municipal de Cultura e coordenadora do carnaval, Márcia Souto, os bonecos gigantes são patrimônio da cidade e estão acima de qualquer coisa.

“Essa patente é inócua. Os bonecos gigantes de Olinda são de domínio público”, garantiu. “A vida e o tempo vão mostrar que os bonecos gigantes de Olinda são estes aqui”, afirmou, apontando para cem bonecos, de mais de três metros de altura, que se preparavam para deixar o Largo do Guadalupe com três orquestras de frevo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Fonte: Agência Estado

Amendment To Compulsory Licensing Regime For Medicines Access

March 08, 2011. Canada Considers Amendment To Compulsory Licensing Regime For Medicines Access

The Canadian Parliament is on the verge of amending the nation’s patent regime to make it easier for generic drug companies to provide low-cost HIV medications for developing countries.


TRADUÇÃO:

O parlamento Canadense está à beira de alterar o regime nacional de patentes, facilitando, às empresas de remédios genéricos, o fornecimento de medicação para HIV a baixo custo aos países em desenvolvimento.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Política cultural: A exclusão da licença Creative Commons do site do MinC trouxe à tona no Brasil o debate internacional sobre direitos autorais...

Política cultural: A exclusão da licença Creative Commons do site do MinC trouxe à tona no Brasil o debate internacional sobre direitos autorais em meio eletrônico.

Gutenberg século XXI

Diego Viana | De São Paulo

04/03/2011



Claudio Belli/Valor


Marcelo Machado (à esquerda) e Vicente Machado, músicos da banda Mombojó, cujas composições se tornaram conhecidas porque estão disponíveis na internet



A batalha em torno do Ministério da Cultura (MinC) ecoa a guerra que se desenrola ao redor do mundo sobre a propriedade intelectual. O clima tenso no ministério, que levou fontes ligadas ao MinC a falar ao Valor em "luta pela sobrevivência", dá sequência a conflitos que surgiram em todos os países onde a legislação de direitos intelectuais foi posta em questão. Segundo Vítor Ortiz, secretário-executivo do Ministério da Cultura, a celeuma quanto à nova gestão do MinC sob a ministra Ana de Hollanda e, em particular, a reforma da lei de direitos autorais, foi insuflada por radicalismos no meio digital, Twitter em particular, e não corresponde à vontade da ministra de manter "uma posição mais magnânima e aberta ao debate". Porém, o debate da propriedade intelectual não costuma ser magnânimo.

Nos EUA, na Europa e em outros países, legisladores sofrem pressões restritivas e liberalizantes. De um lado, corporações da indústria cultural, como a MPAA (Associação Cinematográfica da América) nos EUA, e a Sacem (Sociedade dos Autores, Compositores e Editores de Música) na França, exigem o reforço das penalidades para quem contorna medidas de bloqueio à cópia eletrônica, como a DRM (Gestão Digital de Direitos). De outro, bibliotecas, artistas digitais e universidades pedem a legalização de práticas que, embora corriqueiras, não são contempladas pela lei.

O impasse da cultura eletrônica suscitou iniciativas de diversos matizes. Os exemplos mais vistosos são de repressão a usuários que infrinjam as regras vigentes. O mais recente foi a lei francesa Hadopi, de combate à transferência não autorizada de arquivos, adotada em 2009. Nos EUA, a já rigorosa lei de 1998, chamada "Digital Millenium Copyright Act", ganhou em 2007 artigos pelos quais usuários que praticam engenharia reversa de software, um procedimento pelo qual o código de funcionamento é descoberto, podem ter seus computadores apreendidos.

Também há países que introduziram dispositivos para flexibilizar o uso de obras protegidas. A nova lei chilena, implantada em 2010, "não só oferece um quadro flexível para usuários, mas também para criadores", diz o advogado Alberto Cerda, da Universidad de Chile. "A lei define exceções que dão agilidade ao processo criativo. Primeiro, nas citações, fundamentais para a academia e o mercado editorial. Segundo, para a colagem e o 'mash-up', relevantes nas artes visuais. Enfim, na engenharia reversa, essencial para desenvolvedores de software."

O cartaz de Obama feito pelo artista Shepard Fairey é a imagem mais lembrada da campanha eleitoral americana de 2008 e rendeu um processo contra o artista



A disputa brasileira está centrada no anteprojeto de reforma da Lei de Direitos Autorais (9610/98), preparado na gestão de Juca Ferreira no MinC, durante o governo Lula, e enviado no fim de 2010 para a Casa Civil. O novo ministério, conduzido por Ana de Hollanda, trouxe o anteprojeto de volta para o MinC para nova análise. Para Ortiz, "a tramitação foi lenta. O anteprojeto só foi à Casa Civil no fim de dezembro, quando já se sabia que haveria uma nova ministra".

Embora o anteprojeto tenha sido tocado por meio de uma consulta pública e uma série de seminários nacionais e internacionais entre 2007 e 2010, o tema ultrapassou o universo de especialistas no início deste ano, graças a um detalhe no rodapé do site do Ministério da Cultura. Ali figurou, nas gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira, um selo da licença Creative Commons. Agora, vê-se apenas a autorização do ministério para reproduzir os textos do site.

A retirada gerou protestos de ativistas digitais, do antropólogo Hermano Vianna e do líder do PT na Câmara dos Deputados, Paulo Teixeira (SP). A ministra justificou a atitude dizendo que o licenciamento já é previsto pela lei brasileira e não necessita de uma iniciativa em particular. Vítor Ortiz, lembrando que a ONG Creative Commons é uma iniciativa privada, argumenta que o selo não poderia estar no site de um órgão do governo sem um debate público prévio.

Especialistas em propriedade intelectual não concordam que seja redundante fazer uso de um sistema específico, como é o caso do Creative Commons, para organizar a circulação de criações. O advogado Pedro Paranaguá, da Universidade Duke, nos EUA, ressalta que, embora o licenciamento esteja previsto na lei, "para que ocorra, é preciso dizê-lo expressamente. Sem licença ou contrato, todos os direitos ficam reservados".

Em novembro, a vice-presidente para a Agenda Digital da Comissão Europeia, Neelie Kroes, traçou uma linha histórica de revoluções culturais e econômicas: a primeira foi a invenção da imprensa por Johannes Gutenberg, no século XV; a segunda, a Revolução Industrial, no século XVIII; a terceira é a "revolução das tecnologias da informação e da comunicação". A Comissão Europeia mantém uma pesquisa pública sobre eventuais reformas legislativas para adequar seu sistema de proteção à propriedade intelectual na "sociedade da informação".

As pressões para reformar a legislação surgem da necessidade de estabelecer um ambiente legal e econômico confortável para práticas criativas que permeiam a indústria cultural. Francis Gurry, diretor-geral da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), reconhece que a questão atravessa campos tão diversos quanto o econômico, o jurídico, o artístico e o tecnológico. Por isso, resume-o como um impasse. "Como a sociedade pode tornar as obras disponíveis a preço acessível e também assegurar a existência econômica digna aos criadores e intérpretes?", questionou em evento internacional.

Existem outros sistemas de licenças como o Creative Commons, mas a iniciativa de Lawrence Lessig, da Universidade Harvard, é a mais empregada por jovens criadores em todo o mundo. O motivo é a clareza com que define diversos tipos de licença, facilitando a escolha. "A vantagem das licenças Creative Commons é que são conhecidas mundo afora. Formam um padrão adaptado para cada ordenamento jurídico, têm sido reconhecidas por tribunais em diversos países e facilitam a vida de todos", diz Paranaguá. O advogado Luiz Henrique Souza, do escritório PPP, especializado em propriedade intelectual, afirma que "a adoção dessa licença por órgãos do governo representa a promoção do padrão de licenças permissivas". Se o momento é de reforma da lei que trata de propriedade intelectual, a adoção de um padrão aberto indica que o governo está mais inclinado para a flexibilidade do que para o recrudescimento.

A celeuma das licenças Creative Commons resulta mais de sua simbologia que de seus efeitos sobre a arrecadação de direitos autorais. Os usuários de licenças abertas negam que queiram abrir mão desses direitos. Artistas jovens enxergam na flexibilização uma oportunidade de difusão de seu trabalho. Os caminhos oferecidos pelo mercado tradicional lhes parecem lentos e difíceis, mas a divulgação livre, ou parcialmente livre, de obras na internet se revela um meio mais eficaz e simples de atingir o público.

"Deixar a música na internet foi fundamental para ficarmos conhecidos", explica Vicente Machado, baterista da banda pernambucana Mombojó. "Nosso primeiro disco teve 2 mil cópias. Elas não chegaram muito longe, mas, pela internet, a música se espalhou pelo Brasil todo. Quando íamos tocar em algum lugar, as pessoas conheciam as músicas porque copiaram da internet." O formato aberto da distribuição não significa, porém, que os músicos abdiquem da receita dos direitos autorais, particularmente nas execuções de rádio. "Às vezes entramos no sistema do Ecad [Escritório Central de Arrecadação] e, se tem algum dinheiro, é uma surpresa boa." O Ecad vê nas emissoras de rádio a maior fonte de desrespeito aos direitos autorais e desenvolveu com a PUC-RJ um sistema digital de monitoramento.

O exemplo da banda pernambucana ilustra o impasse de Francis Gurry. Os papéis do autor, do editor e do receptor se tornam menos evidentes quando, de um lado, o criador tem o poder de editar por conta própria e, de outro, o público encontra o que busca com muita facilidade, sem passar por um mercado que regule os fluxos. "Todos os membros da banda estão na faixa dos 24 aos 28 anos. Crescemos cercados pela internet, nada mais natural do que colocar nossa música online", explica o músico.

Para o advogado Peter Jaszi, da Universidade de Washington, o desafio da indústria cultural é reformular modelos de negócios estabelecidos sobre a criatividade. Se os suportes - livros, discos, fitas etc. - aproximavam os bens imateriais do regime material, o mesmo não vale para arquivos como os que circulam em computadores e outros aparelhos. "Os livros eletrônicos têm funcionado como modelo. Os editores foram agressivos ao fazer a transição, porque receberam ajuda da Amazon [livraria virtual que lançou o leitor 'Kindle']. No caso do programa 'iTunes' [de transferência de arquivos musicais], o resultado segue em aberto. As gravadoras têm conduzido muito mal seus negócios. Para os usuários, elas perderam o contato com o que as pessoas querem escutar", explica Jaszi.

A economia criativa - conceito que engloba as atividades que sobrevivem da propriedade intelectual - é o território em disputa na guerra que chegou ao MinC em 2011. Segundo a OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), as indústrias criativas movimentam US$ 3 trilhões no mundo. Em 2008, a Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) divulgou que o setor representa cerca de 16,4% do PIB brasileiro. A ministra Ana de Hollanda anunciou a criação de uma Secretaria de Economia Criativa, a ser comandada pela ex-secretária de Cultura do Ceará Cláudia Leitão.

Segundo Vítor Ortiz, a Diretoria de Direitos Intelectuais, que será assumida pela advogada Márcia Regina Barbosa, ficará subordinada à nova secretaria. Ortiz diz que caberão à diretora as "possíveis mudanças" na lei de direitos autorais. Ativistas da cultura digital argumentam que Márcia Regina tem um histórico de proximidade com o Ecad, parte interessada na questão - para o escritório, a lei atual não precisa de reforma, porque "é uma das mais modernas e completas do mundo, com pouco mais de dez anos de existência", segundo sua superintendente-executiva, Gloria Braga. Ortiz nega que Márcia Regina seja próxima ao Ecad. Nos anos 1980, a advogada pertencia ao Conselho Nacional de Direitos Autorais, órgão federal extinto no governo Collor.

Assim como o Ecad, outras entidades se opõem ao anteprojeto desenvolvido pelo MinC até 2010. Sônia Machado Jardim, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), considera "afoita" qualquer modificação de uma lei "sem um amplo e profundo debate", porque os tribunais estaduais ainda estão desenvolvendo os mecanismos de interpretação dos dispositivos legais. O sindicato acrescentou à sua pesquisa anual sobre produção e venda de livros no país um questionário sobre a penetração do livro digital no mercado.

A fusão dos universos material e digital está na pauta das discussões em todo o mundo. Neelie Kroes chegou a dizer que a tecnologia digital "torna realidade o sonho renascentista de Pico della Mirandola: todo o conhecimento em um único lugar". Em seguida, arrematou: "Assim como o cinema não matou o teatro e a televisão não matou o rádio, a internet não vai matar nenhuma outra mídia". Falando especificamente de direitos autorais, Neelie não deixou espaço para dúvidas. "Por 200 anos, eles se revelaram uma forma poderosa de remunerar nossos artistas e construir nossas indústrias criativas. Mas não são um fim em si mesmos. É preciso garantir que funcionem como tijolos para construirmos, não pedras para tropeçarmos."

Para Jaszi, iniciativas repressivas são fruto do aspecto estritamente econômico da questão. "O que atinge as corporações não são as técnicas digitais em geral, mas usos particulares. Entretanto, quando uma indústria diz 'estamos perdendo dinheiro', logo isso é traduzido para 'estamos perdendo empregos', o que impacta a economia e a política como um todo. Frases marcantes têm um efeito forte sobre os políticos", afirma.

Além da tecnologia digital, práticas artísticas também põem sob pressão a forma tradicional de lidar com a autoria. Uma exposição do fotógrafo e advogado Eduardo Muylaert em São Paulo explora uma área de fronteira autoral. Em cartaz na galeria Fauna, "As Mulheres dos Outros" exibe reproduções de fotografias compradas na feira de antiguidades do Museu de Arte de São Paulo (Masp). O artista conta que encontrou as imagens dos anos 1950 em péssimo estado. Fotógrafos e modelos eram anônimos. A exposição consiste em ampliações que realçam os efeitos do tempo e da má conservação.

Segundo uma leitura possível da lei atual, a exposição seria considerada ofensiva aos direitos autorais dos fotógrafos de 60 anos atrás, que não foram consultados quanto ao uso de seu trabalho nem serão pagos. No entanto, a iniciativa do fotógrafo é corrente entre criadores que, na linha de Andy Warhol e Jean-Luc Godard, em vez de criar imagens, retrabalham a infinidade de imagens já disponíveis. Como advogado, Muylaert estava ciente do possível impasse jurídico. Apoiou-se sobre o oitavo parágrafo do artigo 46 da lei atual, que permite a reprodução de "pequenos trechos" de obras preexistentes quando não houver "prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores". "Sinto que meu trabalho é legítimo com base nesses artigos", afirma o artista, que também se muniu de um arsenal teórico para sustentar seu argumento. São textos de Roland Barthes, Gérard Genette, Douglas Crimp, Richard Misrach e outros.

Juristas que se debruçam sobre o assunto não consideram os artigos citados por Muylaert tão seguros. Para Guilherme Varella, do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), a lei autoral brasileira está entre as mais restritivas do mundo e o trecho em questão deixa em aberto o sentido de "pequeno trecho", "exploração normal" e "prejuízo injustificado". O resultado é uma incerteza jurídica desnecessária. Um dos objetivos da nova lei autoral seria resolver impasses como esse. As fotografias garimpadas por Muylaert seriam "obras órfãs", isto é, cujo autor é desconhecido ou não pode ser encontrado. Para casos assim, seriam concedidas "licenças não voluntárias". Os direitos econômicos seriam recolhidos em juízo, mas os morais seriam dispensados temporariamente. O mesmo procedimento se aplicaria a marchinhas de carnaval da década de 1930 de que não se conhece o autor.

No plano internacional, encerrou-se em janeiro um caso judicial emblemático das tensões sobre o direito autoral. A agência Associated Press (AP) e o artista plástico americano Shepard Fairey anunciaram um acordo extrajudicial que pôs fim a uma disputa iniciada em 2008. O objeto do desentendimento foi um dos ícones mais conhecidos do século XXI: o pôster de Barack Obama com a palavra "Hope" (esperança).

A imagem original foi realizada em 2006 pelo fotógrafo Manny Garcia, contratado pela AP. Fairey copiou a imagem, pintou-a novamente e a imprimiu em grande escala. Mais tarde, quando a imagem já tinha se tornado um dos símbolos do processo eleitoral americano, passou a aparecer reproduzida em camisetas e souvenires. Ou seja, entrou pela porta dos fundos no mundo comercial.

Na declaração oficial emitida por Fairey e pela AP, as duas partes afirmaram que não abriam mão de suas perspectivas. A agência sustentava que o artista tinha infringido as leis americanas de copyright. Fairey manteve sua avaliação de que seu caso entrava na categoria de "fair use", um regime indeterminado de exceções às restrições de cópia. O artista e a agência decidiram explorar juntos as possibilidades econômicas da obra, isto é, o merchandising, que vinha sendo feito clandestinamente por fabricantes de camisetas e souvenires em todo o mundo.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Apenas "copyright" pode garantir progresso

Na Folha de São Paulo:

São Paulo, sábado, 26 de fevereiro de 2011

OPINIÃO DIREITOS AUTORAIS

Apenas "copyright" pode garantir progresso

Vínculo entre mercado e cultura foi grande responsável pelo
florescimento do teatro na Inglaterra do século 16


SCOTT TUROW
PAUL AIKEN
JAMES SHAPIRO
DO "NEW YORK TIMES"

Arqueólogos concluíram uma escavação notável na zona leste de Londres
no verão britânico passado.
Entre os artefatos que encontraram, estavam sete puxadores de
cerâmica, evidências físicas de um experimento quase perfeito
realizado no século 16 sobre o vínculo entre comércio e cultura.
Quando William Shakespeare estava crescendo em Stratford-upon-Avon, na
zona rural, carpinteiros naquele local de Londres estavam construindo
os muros daquele que alguns consideram ter sido o primeiro teatro
erguido na Europa desde a Antiguidade.
Em pouco tempo, outros teatros foram surgindo pela cidade. Quem podia
pagar tinha direito de entrar e assistir à peça; quem não podia, não
assistia.
Quando Shakespeare começou a escrever, essas "paywalls culturais" já
eram abundantes em Londres.
Trabalhadores com urnas para dinheiro (ostentando os puxadores
singulares encontrados pelos arqueólogos) nas mãos ficavam na entrada
de um número crescente de teatros ao ar livre, recolhendo um "penny"
de ingresso.
Com essa renda, dramaturgos eram pagos para escrever novas peças. Pela
primeira vez na história, tornou-se possível ganhar a vida escrevendo
para o público.
Uma onda de dramaturgos brilhantes surgiu quase da noite para o dia,
entre eles Christopher Marlowe, Thomas Kyd, Ben Jonson e Shakespeare.
Esses talentos tinham encontrado a oportunidade, as condições e o
dinheiro para exercer seu ofício.
Qual foi a constatação simples desse experimento? Como é o caso de
muitas outras coisas, o talento literário permanece sem se
desenvolver, a não ser que os mercados o recompensem.

VIRTUALIZAÇÃO
No auge do Iluminismo, o "paywall cultural" tornou-se virtual, quando
autores britânicos conquistaram o direito de criar mercados legalmente
protegidos para suas obras.
Em 1709, a Inglaterra promulgou a primeira lei do "copyright", com o
objetivo expresso de combater a pirataria de livros e "para incentivar
homens eruditos a compor e escrever livros úteis". Os direitos
autorais, agora vinculando fortemente os autores, as gráficas (e
tecnologias posteriores) e o mercado, mostrariam ser um dos grandes
sucessos de política pública da história.
Os livros iriam atrair investimentos de trabalho de autores e capital
de editores em escala colossal.
Hoje, porém, esses mercados estão se desfazendo. A pirataria tornou-se
um empreendimento lucrativo, inovador e global. A ascensão da internet
levou à visão, por parte de muitos usuários e empresas que operam na
rede, de que os direitos autorais são uma relíquia adequada apenas às
necessidades de gigantes corporativos que estão fora de sintonia com a
atualidade.
Basta pensar nos dedicados "compartilhadores de arquivos" que
transmitem e recebem material protegido sem o menor sentimento de
culpa.
Eles são encorajados e assistidos por um punhado de professores de
direito e outros especialistas que se tornaram peritos em formular
argumentos contraintuitivos segundo os quais os direitos autorais
constituem empecilhos à criatividade e ao progresso.
A teoria deles é que, se enfraquecermos gravemente as proteções dos
direitos autorais, a inovação irá florescer de fato.
É uma ideia sedutora, mas que ignora séculos de progresso científico.
Uma cultura rica requer contribuições de autores e artistas que
dediquem milhares de horas a uma obra e a vida inteira a seu trabalho.

INEVITABILIDADE
Desde o Iluminismo, as sociedades ocidentais acostumaram-se a
acreditar que o progresso é inevitável. Ele nunca o foi.
O progresso é decorrente da obediência a regras que foram construídas
cuidadosamente e práticas que foram iniciadas por pessoas que viviam
sob a sombra comprida da Idade das Trevas. Quando mudamos essas
regras, corremos riscos.
Em julho passado, um público pequeno reuniu-se naquela escavação
arqueológica em Londres para ouvir dois atores ler trechos de "Sonho
de Uma Noite de Verão" no lugar onde a peça estreou, no ponto onde
ficavam as paredes mais valiosas do teatro.

O RESTO É SILÊNCIO
Embora as fundações do Theater (como era conhecido) permaneçam, as
paredes propriamente ditas, não.
Quando a companhia de Shakespeare perdeu o direito de arrendar o
teatro, seus membros desmontaram a armação de madeira do Theater e
levaram as paredes para um novo local, do outro lado do Tâmisa,
batizando seu novo teatro de The Globe.
Shakespeare levou com ele seu sistema de cobrança de ingressos.
Mais tarde, o Globe foi destruído em um incêndio e reconstruído em
pouco tempo. Seu fim definitivo aconteceria em meados do século 17, no
início de uma guerra civil sangrenta, quando as autoridades ordenaram
a demolição das paredes.
O regime não foi motivado por ideais de acesso livre ou ilusões de que
iria acelerar o progresso.
Ele simplesmente queria silenciar os dramaturgos, que transmitiam ao
público pagante do teatro uma grande gama de pensamentos
desestabilizadores. O experimento acabou.
Foram rompidos os laços dos dramaturgos com o comércio, e a maior
explosão de talento dramatúrgico que o mundo moderno já conheceu
chegou ao fim.
Assim, simplesmente.

SCOTT TUROW, romancista, é o presidente do Sindicato de Autores.

PAUL AIKEN é o diretor executivo do sindicato.

JAMES SHAPIRO, integrante do conselho de direção do sindicato, leciona
Shakespeare na Universidade Columbia.
Tradução de CLARA ALLAIN.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

DEIXE AQUI O SEU COMENTÁRIO SOBRE O ARTIGO, DE RONALDO LEMOS, QUE FOI DISCUTIDO EM SALA DE AULA.


LEMBRETE: a leitura do texto do livro de Patricia del Nero só será "cobrado" mais adiante.

Os nacionalistas da cultura (“Creative Commons é entreguismo”)


A ascensão de Ana de Holanda para o Ministério da Cultura com a promessa de reavaliar a revisão da lei de direitos autorais “em defesa dos autores” gerou um acirrado debate que tem animado as páginas dos cadernos de cultura. No debate, tem aparecido com orquestrada frequência uma curiosa tese: os críticos da nova política do ministério são ingênuos manipulados pelas grandes empresas de Internet que querem se apropriar da cultura brasileira sem pagar pelo conteúdo. A revisão da lei de direitos autorais ampliando exceções e limitações, a supervisão estatal das sociedades de gestão coletiva (como o ECAD) e o estímulo ao licenciamento livre (por meio de licenças como as Creative Commons) causariam apenas prejuízo aos autores brasileiros. As grandes corporações do mundo digital, ao contrário, seriam as grandes beneficiadas, já que explorariam o acesso livre a esses conteúdos por meio de publicidade. Contra essas políticas inovadoras, seria preciso manter as regras e políticas de direito autoral atualmente em vigor que protegem razoavelmente bem os autores e são uma plataforma adequada para a projeção internacional da cultura brasileira.

A linguagem anti-imperialista surpreende, vindo de onde vem. Os defensores da tese são os sócios locais da indústria cultural internacional, sobretudo do setor fonográfico – empresas nada nacionais como a Warner, a Sony, a EMI e a Universal. Obviamente, a acusação é apenas um jogo retórico, mas como tem encontrado algum eco, não seria despropositado relembrar alguns fatos básicos.

No mercado de música brasileiro, os autores são brasileiros, mas as empresas são estrangeiras. O discurso pseudo-nacionalista só pode funcionar porque o Brasil tem uma situação ímpar: é o único país, fora os Estados Unidos, onde o consumo de música nacional é superior ao de música estrangeira. No entanto, essa música nacional é explorada por empresas majoritariamente estrangeiras: a Warner, a Sony, a EMI e a Universal. O que temos, portanto, é uma associação entre os grandes autores nacionais (os velhos nomes da MPB e os novos nomes do pop e do sertanejo) e as grandes empresas internacionais.

Os intermediários, em boa parte estrangeiros, se apropriam de mais de 50% do direito autoral. A venda de discos e a execução pública (rádio, TV e shows) movimentam juntos pelo menos 400 milhões de reais anuais em direito autoral. Esses valores são distribuídos para os atores da cadeia produtiva da música: de um lado, criadores strictu sensu como compositores, arranjadores, intérpretes e músicos e, de outro, intermediários como empresas fonográficas, associações de autores, produtores e o escritório de arrecadação (ECAD). Na divisão dos recursos do direito autoral, os intermediários ficam com 51% e a menor parte dos recursos é dividida entre os criadores.

O Brasil é altamente deficitário em direito autoral. Se há ainda alguma dúvida que a exploração do direito autoral é interesse estrangeiro, basta olhar a balança comercial de direito autoral do país com os Estados Unidos. Todos os anos enviamos mais de 2 bilhões de dólares como pagamento de direito autoral (em todos os setores – não apenas música). Os americanos, por sua vez, nos pagam apenas 25 milhões.

A remuneração aos autores brasileiros é concentrada, distorcida e segue critérios obscuros. A distribuição dos recursos de direito autoral no Brasil é, antes de tudo, distorcida pelo jabá, mecanismo pelo qual as empresas pagam para ter a música executada nas rádios e TVs para depois receberem o direito autoral de execução e vendas como “retorno”. Além disso, o escritório de arrecadação tem procedimentos obscuros que não podem ser auditados e que concentram a distribuição em muito poucos autores.

O que temos então é uma indústria predominantemente estrangeira que se apropria da maior parte dos recursos de direito autoral em detrimento dos verdadeiros criadores e os remete ao exterior para as matrizes. No entanto, como remunera bem alguns poucos autores brasileiros segundo procedimentos obscuros, estes agem como porta-vozes nacionais desta estrutura internacional de exploração da cultura brasileira.

Se tudo isso ainda não é suficiente, uma última e conclusiva evidência pode ser encontrada na contribuição da IIPA (International Intellectual Property Alliance) para o relatório 301. O relatório 301 é um mecanismo comercial do governo americano por meio do qual tenta interferir nas políticas de direito autoral de “países em desenvolvimento”. Esse relatório avalia se a política de direito autoral desses países, no entender dos Estados Unidos, é adequada – e se ele considerar que a de algum país não é, pode punir com sanções comerciais unilaterais. A IIPA que é uma organização que reúne as indústrias do software, do disco, do filme, do livro e dos games nos Estados Unidos, no seu último relatório defende exatamente as mesmas posições quanto à reforma da lei de direito autoral que o atual ministério da cultura – motivo pelo qual as posições da ministra são diretamente elogiadas.

É no mínimo curioso que agentes das grandes multinacionais utilizem um discurso nacionalista e até anti-imperialista para atacar os ativistas da cultura livre. É evidente que se trata de má-fé orientada a atingir resultados políticos. Mas como a mentira e a má-fé se disseminam talvez valha a pena esclarecer algumas coisas:

O movimento de cultura livre defende a independência dos criadores, não a indústria – nova ou velha. Embora o movimento seja uma rede mais ou menos solta de ativistas, sem um programa explícito, me parece claro um objetivo comum: o de produzir uma nova economia da cultura, na qual os criadores e não os intermediários sejam os principais beneficiários dos dividendos econômicos e na qual os bens culturais possam circular livremente sem barreiras de direito autoral, permitindo o acesso de todos ao patrimônio cultural. A cultura que se vislumbra é uma cultura na qual os criadores sejam remunerados e, simultaneamente, o público tenha acesso às obras. Há várias experiências bem sucedidas em curso sobre como realizar esse objetivo – principalmente aquelas na qual há deslocamento da fonte de remuneração do criador, do direito autoral para serviços, como shows e apresentações ao vivo. Esse movimento não pretende que os intermediários da velha indústria (gravadoras, editoras, etc.) sejam simplesmente substituídos por novos intermediários (empresas de Internet, editoras digitais, etc.), nem que os criadores não sejam remunerados. O movimento de cultura livre defende um modo de produzir cultura descentralizado, diverso, esteticamente autônomo, economicamente sustentável e no qual os bens culturais sejam acessíveis a todos.

O mundo que os novos intermediários vislumbram é diferente. É um mundo no qual o acesso às obras, gratuito ou apenas mais barato, é organizado por grandes empresas que comandam indiretamente a cadeia produtiva e geram dividendos com a venda da privacidade dos usuários para publicidade dirigida. É um mundo onde se pode ler livros ou escutar música na Internet gratuitamente sacrificando a privacidade pessoal para a venda de publicidade. Esse modelo traz grandes riscos para uma liberdade civil fundamental que é a privacidade, coloca em risco a autonomia econômica e estética dos criadores e ameaça a diversidade de oferta de obras para os consumidores.

Como se vê, o programa dos defensores da cultura livre é muito diferente do programa da nova indústria cultural. Mesmo assim, os defensores do velho modo industrial de produção da cultura tentam desqualificar o movimento de cultura livre apresentando-o como agente das novas empresas.

Não podemos ficar presos, no entanto, a duas alternativas corporativas, que subtraem, cada uma a seu modo, a autonomia de criadores e consumidores. O processo de mudanças nos modos de produção da cultura não nos leva a ter que escolher entre a EMI e a Google. Ele abre uma janela de oportunidades para novas práticas e novas políticas que emancipem e protejam os autores frente ao poder econômico dos grandes intermediários e que apoiem as potencialidades de acesso à cultura trazidas pelas novas tecnologias. É esse tipo de visão que esperamos do Ministério da Cultura.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Rip! A Remix Manifesto

Estou postando este tópico, a pedido da professora Clarice, para que os alunos da cadeira de Propriedade Intelectual postem os seus comentários sobre o filme "Rip! A Remix Manifesto",
que foi exibido em sala de aula.


Procedimento: Para poder postar os seus comentários basta "seguir" o blog e clickar em comentários, que fica localizado nesta mesma janela, na parte de baixo.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

IP-Watch: Nations Begin Signing Protocol On Biodiversity Access And Benefit-Sharing

February 07, 2011. Nations Begin Signing Protocol On Biodiversity Access And Benefit-Sharing

Four developing countries have signed a recently completed international agreement on access to genetic resources and the fair retribution of benefits accrued from those resources. The protocol opened for signature in New York last week and efforts are underway to set up an information clearinghouse.

Link to the article: http://www.ip-watch.org/weblog/?p=14276&utm_source=post&utm_medium=email&utm_campaign=alerts

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Brazil’s Copyright Reform: Schizophrenia?

Inside Views: Brazil’s Copyright Reform: Schizophrenia?
Disclaimer: the views expressed in this column are solely those of the authors and are not associated with Intellectual Property Watch. IP-Watch expressly disclaims and refuses any responsibility or liability for the content, style or form of any posts made to this forum, which remain solely the responsibility of their authors.

By Pedro Paranaguá, Doctoral Candidate, Duke University School of Law

Brazil’s new Minister of Culture is under severe pressure from civil society groups, academics and some artists. After just a few weeks in power, Minister Ana de Hollanda issued an order to take the Creative Commons license off of the Ministry’s website. In her own words (in Portuguese): “We will discuss copyright reform when the time comes.”

After nearly seven years using CC licenses, a legacy left by musician and former Minister of Culture Gilberto Gil, now Brazil’s Ministry of Culture abruptly withdraws the license without further dialogue or consultation. Why is that a problem?

First, the new president Dilma Rousseff was Lula’s henchwoman. She is known to be personally supportive of Brazil’s National Plan for Broadband (PNBL), as well as of the immense and organized free culture, and free and open source software movements in the country (as we all know, free as in freedom; and not free of charge). Hence, those who voted, and elected, her exactly for her support to these initiatives are feeling misrepresented.

Second, because under the former mandate Brazil had conducted a long, wide and open public consultation with all stakeholders to get inputs for finally reforming the country’s copyright law – one of the most unbalanced copyright regimes in the world [pdf]. These two are, together, an asynchronism that is hard to justify.

Prominent culture producers and famous artists are publishing an avalanche of pieces in Brazil’s major newspapers. It’s a buzz everywhere in the country’s culture circles. Some are strong supporters of the new minister’s action. Others are equally strong opponents (all in Portuguese).

I will not get into details of the discussion whether who is right and who is wrong. Or whether a Creative Commons license should be used by Brazil’s government. Although this is an important part of the discussion, as I have said elsewhere, this is only the tip of the iceberg. The issue is deeper, much deeper.

At first glance this debate looks schizophrenic. People demanding wide access to culture. Artists demanding fair remuneration. As if the two were opposed or incompatible.

Wide culture access does not mean the lack of fair remuneration. On the contrary. A basic algebraic rule tells us that the more one sells, the more money one makes. Of course one could argue that the higher the demand, the higher the prices. However, one thing, though disputed by some, cannot be ignored: intellectual property rights are non-rival and non-scarce. My use does not interfere with your use, and my consumption does not diminish yours. Digital files and the internet changed forever the copyright scene.

Artificial scarcity does not work, and in the long term it is not good to anyone – neither to consumers, nor to artists or corporations alike. Of course intermediaries feel threatened. Their end is near, unless they are as creative as the copyright industry is meant to be. Collecting societies seem scared of losing their slice of the cake. They do, however, have their function. Should they fairly distribute the royalties, and have an open and transparent management system, they would still have their function, provided artists, consumers (after all they are the ones paying the royalties), and competition and consumer authorities have the right and obligation to scrutinize their functioning.

More than that. There should be a non-exhaustive list of exceptions and limitations to copyright, authorizing educational and private non-commercial uses, in furtherance to a broader fair use-like clause. This would make a more balanced system.

Disruptive innovators are disturbing incumbents. And the reason is simple. Innovators are being creative. They are using technology not only for their own benefit, but for the benefit of society as a whole. New ways of doing business can proportionate a much wider system of remuneration for the use of copyrighted works, at the same time that people have greater access to culture.

Merchandising. Video-games. Mobile telephony packages such as TDC Play. Broadband packages. Spotify’s unlimited free streaming. VEVO’s ad-supported music videos. Marketing uses of Creative Commons licenses such as the one successfully made by Nine Inch Nails. Netflix. The model used by Radiohead. Google’s recently launched Android Marketplace. The examples are plentiful. To enumerate all possibilities or find a creative business model for the copyright industry is not my job, however.

There is no place for extremisms. That’s for sure. Simply demanding access without fair remuneration is not an option – although there are indeed several successful business models based on free. It does not matter who pays, as long as there is someone paying somewhere within the consumer chain. Equally true, simply advocating for an eternal copyright protection term (in Portuguese), as has recently been proposed, is not an option. This would indeed be a schizophrenic conversation.

Copyright is not, and should not, be viewed only as a means for creating arts and remunerating artists. Its spectrum is much wider. Cultural diversity, education, and innovation are, and should be, essential parts of a broader copyright policy. The digital world and the internet changed copyright forever. What Brazil needs is a true long-term countrywide intellectual property and innovation policy program – including, but not limited to, copyright. And it should be designed to meet the specific needs of the country, having in mind the existing flexibilities in international treaties.

And for that, not only the Executive power has an important role, but also Congress. People active in this debate should realize that Congress represents them. And the Judiciary could also play a crucial role depending on the interpretation it gives to certain decisions. All of the three branches always having in mind a common goal: cultural diversity, education, innovation, and national development.

A true balanced approach, free of biases, through dialogue, participation, and transparency; that is the path to be followed. The time for a copyright reform in Brazil has already come. Now culture users and artists must acknowledge that they are in the same boat, as we say in Brazil. One needs the other. One wants the other. Both want art. Both are ready and willing to exchange (money and art) for the mutual benefit of society – provided it’s fair, transparent, and democratic.

Pedro Paranaguá is a doctoral candidate at the Duke University School of Law. He holds a Masters in Law (cum laude) from University of London, and is an IP consultant.